16 de janeiro de 2008

A dicotomia no magistério superior público e privado

A dicotomia no magistério superior público e privado.

Raquel Lopes Villar de Queiroz [1]

RESUMO
Este trabalho busca proporcionar elementos críticos sobre as diferenças contraditórias enfrentadas no magistério superior em instituições públicas e privadas. Temos de um lado as instituições públicas onde os professores são instigados a buscar seus títulos de mestre, doutores e até pós-doutores aliado ao incentivo à pesquisa e de outro as instituições privadas onde não há verbas para a pesquisa e embora estejam sendo cobrados pelo MEC a possibilitar aos seus professores o aperfeiçoamento através dos cursos de pós-graduação, normalmente contratam professores que já possuam as qualificações necessárias a fim de não ter de investir. Outrossim, temos o lado dos alunos. A estratificação do conhecimento se dá economicamente quando os pais com maior poder aquisitivo conseguem pagar colégios particulares dando aos filhos maior oportunidade e acesso, facilitando a eles maior chance de ingressar em uma universidade pública e dispor assim dos professores com maior nível de graduação enquanto aos pais com menor poder aquisitivo, criam os filhos freqüentando escolas públicas com inúmeras deficiências, pois estas escolas a muito tempo deixaram de ser referência e consequentemente poucos destes alunos conseguirão ultrapassar a grande concorrência dos vestibulares das universidades públicas restando passar para instituições privadas onde talvez não consigam terminar o curso por não conseguir pagar suas mensalidades.


Palavras-chave: Educação pública. Educação privada. Professores. Alunos.

1. INTRODUÇÃO
Pesquisando sobre a história da educação no Brasil vemos o quanto ela é contraditória, senão vejamos: o ensino fundamental e médio que no início do século passado tinham certo reconhecimento e era de qualidade, passou por um processo de sucateamento em função da abertura de concessões ao setor privado. Além disto, o ensino superior também passou pelo mesmo processo com a liberação de concessões na década de noventa.
Observa-se, entretanto, que a prática político-econômica denominada neoliberalismo acarretou diversas questões que influenciaram diretamente no investimento ao setor da educação. Professores e alunos são as partes afetadas que evidenciam a situação dicotômica criada pelo neoliberalismo. Algumas destas questões são relativas à estratificação do ensino na rede pública e privada as quais vamos discutir buscando maior entendimento.
Inicialmente faremos uma breve retrospectiva de como era o ensino. Depois mostraremos os interesses que levaram a atual situação dicotômica do magistério superior público e privado.


2. A DICOTOMIA NO MAGISTÉRIO
No início do século XIX, não existiam escolas particulares, portanto as escolas públicas eram responsáveis integralmente pela educação, do nível fundamental ao superior. Nesta época não havia discriminação. Independente do poder aquisitivo dos pais, os alunos poderiam estudar em uma mesma escola. O conteúdo ensinado em uma escola localizada em um bairro de periferia era o mesmo ensinado em uma escola localizado em um bairro de classe média.
Esse caráter “social” do capitalismo durou até fins da década de 1970 e início da década seguinte, quando os EUA se deram conta de que era insustentável a conversibilidade do dólar em ouro. [...] Tornou-se imperioso para o sistema recuperar a rentabilidade do capital. Em função deste objetivo várias medidas foram adotadas: golpes de estado para estancar o avanço de conquistas sociais (caso do Brasil em 1964, quando foi derrubado o governo João Goulart), [...] (BETTO, Frei. 2006)
Este foi talvez o motivo principal, o que levou a mudança de rumo da educação induzindo a estratificação. Em seguida, interesses capitalistas despertaram outros motivos. Abriram-se as portas da privatização. O governo começou a liberar concessões.
Porém o ensino das escolas públicas continuava muito bom e por isto não havia motivo que fizesse os pais trocarem seus filhos de algo que era bom e gratuito para algo que não era bom e ainda era pago.
Durante duas décadas de ditadura (1964/85), as afinidades políticas dos empresários do ensino com os governos militares abriram caminho para mais e mais representantes de escolas, faculdades e universidades privadas nos conselhos de educação. Tornando-se maioria, eles passaram a legislar em causa própria. Os resultados foram expressos em cifras estatísticas e financeiras. Impulsionados pela demanda de vagas, pelo freio na velocidade de expansão das redes públicas de ensino e, especialmente, pelas normas facilitadoras, as instituições privadas de ensino multiplicaram-se em número e cresceram em tamanho. Em qualquer capital de estado e até mesmo nas cidades médias do interior, pequenos ginásios e cursinhos pré-vestibular acumularam capital, alunos pagantes e níveis de ensino. Alguns viraram universidades. Mais recentemente, as instituições privadas de ensino ingressaram no lucrativo serviço de franquias. (CUNHA, Luis Antônio. Pág. 45, 46) GRIFO NOSSO.
Com este freio dos investimentos nas escolas, aconteceu naturalmente a transferência dos alunos da rede pública para a privada. Ao mesmo tempo em que os alunos mudaram os professores também foram atraídos ao ensino privado por condições de trabalho melhores. Como citou Frei Betto em seu artigo sobre neoliberalismo:
O capitalismo transforma tudo em mercadoria, bens e serviços, incluindo a força de trabalho. O neoliberalismo reforça, mercantilizando serviços essenciais, como os sistemas de saúde e educação, fornecimento de água e energia, sem poupar os bens simbólicos – a cultura é reduzida a mero entretenimento; ...
Esta realidade gerou no ensino superior a dicotomia que atingiu nos dias de hoje seu auge, se não vejamos.
Os estudantes das escolas particulares têm alto nível de ensino, professores qualificados e bem pagos que não faltam e ainda gozam de recursos didáticos. Situação diferente é a vivida pelos estudantes das escolas públicas, que têm baixo nível de ensino devido a alguns problemas como: professores mal remunerados e sem condições de aperfeiçoamento, greves, falta de bibliotecas, entre outros.
Na instancia do magistério superior, destacamos as universidades públicas que durante anos formaram catedráticos de alto gabarito investindo em mestrado e doutorado e ainda pós-doutorado dentro e fora do país. Enquanto isto, as novas universidades e centros de ensino superior da rede particular não investem nos profissionais, em sua maioria, limitam-se apenas a contratar os professores da rede pública que não possuem contrato de exclusividade e já detêm os requisitos de pós-graduação exigidos pelo MEC. E são eles, os catedráticos que mantém o alto nível do ensino nas universidades públicas.
O que podemos pensar então sobre o futuro da educação? Vislumbramos um futuro onde estes catedráticos de alto nível estarão aposentados e isto é apenas o que falta para que as universidades públicas cheguem ao mesmo nível das escolas públicas do ensino fundamental e médio. Após esta análise só nos resta projetar as seguintes perspectivas, que são:
i. Ou acontecerá com as universidades públicas o mesmo que aconteceu com as escolas do ensino fundamental e médio, que foi o total descaso com infra-estrutura, pesquisa e extensão, a contratação de professores sem exclusividade e a redução dos investimentos em pós-graduação ofertados aos professores.
ii. Ou o governo volta a investir no ensino fundamental e médio para tentar remediar o alto nível de analfabetismo melhorando as condições de trabalho e remuneração, reinvestindo em infra-estrutura e aumentando os recursos facilitadores do aprendizado.
No mundo hodierno, pensamos que a melhor e mais consistente solução para o nosso país é deixar o ensino superior por conta dos particulares e o governo, dedicar os esforços para as escolas de nível fundamental e médio buscando resgatar a dignidade do povo através da erradicação do analfabetismo.
Com as mudanças na política econômica mundial e a criação e conseqüente expansão do ensino particular devemos parar para refletir qual seria então a função do ensino público e gratuito, se não o de beneficiar a população de condições sócio-econômica inferior.
Porém os estudantes que não tem condições de pagar pelo estudo não conseguem usufruir deste sistema de gratuidade, pois passar pelos vestibulares é muito difícil pelo elevado nível das provas e também pela concorrência porque durante toda a vida de estudante sofreram com um ensino de baixíssima qualidade.
Este quadro gera a atual realidade que é:
1. Alunos das escolas pagas freqüentam universidades gratuitas. Segundo artigo de Antônio Góis que é repórter a Folha de S.Paulo,
Os estudantes da rede pública são minoria na USP. Já são minoria no momento em que se inscrevem no vestibular e passam a ser minoria da minoria entre os aprovados. Nos cursos mais concorridos, então, como Medicina, Odontologia e Jornalismo, são quase raridade.”
2. Alunos das escolas gratuitas tentam freqüentar universidades pagas. [...] Para o setor privado, o governo federal oferece o Programa de Crédito Educativo, que propicia aos beneficiados reembolsarem o valor das anuidades num prazo 50% maior que o do financiamento, com um ano de carência. (CUNHA, Luis Antônio. Pág. 55)
Ou seja, o governo está deixando de investir nas universidades públicas para financiar os estudos de pessoas carentes, que não tem base e por isto não passam nos vestibulares das públicas, nas escolas particulares e ainda assim muitos não conseguem esta “chance” ficando sem oportunidade de freqüentar o ensino superior.
Mudanças precisam acontecer para que a grande maioria da população tenha a possibilidade de aprender a ler e por mérito, ao longo da vida de estudante, conseguir uma bolsa de estudo ou mesmo um crédito educativo em uma universidade. Não é a fórmula ideal, mas no momento é a melhor saída. Pior é como está, a grande maioria sem condições nem para ter boa educação básica e somente com muita garra alguns conseguem chegar a universidade e destes uma minoria se forma.


3. CONCLUSÃO
Somente quando a sociedade, as empresas e o governo estiverem unidos com um mesmo objetivo é que poderemos sair deste estado de letargia que se encontram as reformas e o desenvolvimento dos professores.
O limite da educação está definido por uma sociedade que dá oportunidades para que o conhecimento chegue a todos, porém a intelectualidade, ou seja, a possibilidade de transformar o conhecimento em conceitos é garantida a poucos.
Nossa discussão sobre o assunto é apenas uma agulha em meio ao palheiro. Precisamos sim, manter a consciência sobre todos os problemas enfrentados no magistério e buscar sempre soluções. Porém como vivemos em sociedade, um assunto leva a outro, e para que possamos desenvolver bem nossas atividades precisamos que os alunos cheguem mais bem preparados o que depende da situação da base. O capitalismo poderia viver melhores dias com pessoas mais preparadas.
O ensino a distância já faz parte do nosso presente e deverá se tornar muito mais em nosso futuro. Não só na formação dos alunos em seu nível superior como também aperfeiçoando professores em lugares distantes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRIOLI, Antônio Inácio. As políticas educacionais no contexto do neoliberalismo. Revista Espaço Acadêmico, Ano II, n.13, jun/2002, ISSN 1519.6186.

CUNHA, LUIZ ANTÔNIO. O ENSINO SUPERIOR NO OCTÊNIO FHC. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 37-61, abril 2003.

FGV. A Era Vargas. Disponível em: . Acesso em: 25/10/06

FREI, Betto. O QUE É NEOLIBERALISMO. Adital, Notícias da América Latina e Caribe. Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=15768>.
Acesso em: 07 de Dez de 06.

GENNARI, Emílio. Um breve passeio pela história da educação. Revista Espaço Acadêmico, n.29, out/2003, ISSN 1519.6186.

GÓIS, Antônio. O massacre do ensino público. Disponível em:<http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/a_gois/id270802.htm>. Acesso em: 17 de Nov de 06.

ROMÃO, José Eustáquio. Civilização do Oprimido. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Biblioteca/coprim.htm>. Acesso em 26/10/06.


















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[1] Graduada em Administração de Empresas (UNICE) e Consultora de Empresas. E-mail: rvqs@hotmail.com